B-boys
na sala de estar
É noite de sexta-feira e do interior de uma casa humilde em um subúrbio da Grande São Paulo ouve-se o som ensurdecedor de uma festa
Quando o portão da frente se abre,
jovens enfileirados aguardam o momento de sair. Cumprimentam - às vezes com abraços e beijos - tanto quem chega quanto quem vai embora. O som alto continua, vindo de uma sala que parece ter um dia sido uma garagem. As paredes são cobertas por espelhos, que refletem a imagem de três meninas, concentradas demais em cortar o ar com o movimento de seus braços e pernas, para notar a nossa presença.
O que parece ser uma balada improvisada é na verdade a casa de Cadu Araújo, que no canto da sala observa atento aos movimentos. Alguém susurra algo no seu ouvido. Ele sai apressado, mancando. Sua expressão não se altera. Para quem está acostumado a dedicar quase todas as horas do dia à dança, a dor é uma consequência normal.
Cadu é um nerd, um obstinado. Mas nem sempre foi assim. Para participar de sua primeira performance, ele precisou ser convencido. No dia de uma apresentação escolar de "Grease" - da qual ele não iria participar - o garoto que faria o papel principal faltou.
- Eu nunca tinha dançado na minha vida, nem um para lá, um para cá. Eu não me interessava por isso porque minha família era muito forte no lance religioso. Mas a professora correu e disse: só tem você. Todas as outras crianças iriam dançar e ela insistiu, insistiu, insistiu. Eu disse: eu danço, mas você não pode contar para a minha mãe. Foi o tempo de montar o figurino, arrumar o cabelo e ela me passar a coreografia por uns 2 ou 3 minutos. Daí eu fui e dancei.


Passados alguns anos, um vizinho o apresentou ao breaking. Cadu leu muito, assistiu a documentários, filmes e tudo mais que conseguisse encontrar na internet. E dançou, ah, dançou muito. Quando sentiu que estava pronto, se tornou coreógrafo. Bateu na porta de academias de dança e do poder público com projetos que democratizassem o breaking. Alguns deram certo, outros não. Em 2014, tamanha teimosia rendeu um importante resultado, depois de quase 20 anos de dedicação integral ao breaking, ele se tornou o principal professor da Casa do Hip Hop. Mas Cadu não estava feliz. Faltava algo.